Autores: Lethícia C. Pereira, Victor L. S dos Anjos, Rafaela D. Oliveira, Thais G. Flor e Emeli M. de Araújo.
Com a diversidade étnica, cultural e social no Brasil, temos mais de 50% da população tendo diferentes tons de pele negra. Nesse contexto, é comum o relato de consumidores que não achem os seus tons de bases nas prateleiras. Em retrospecto, mesmo após o fim da escravidão, a população negra por muitas vezes se encontra marginalizada na sociedade, seja no Brasil ou outros países como o EUA. Nesse contexto, sua imagem foi associada à fome, sujeira e criminalidade. Um exemplo disso é um clareador registrado nos EUA pela empresa Crane & Co chamado “Black Skin Remover”, produto cuja propaganda era direcionada para clarear peles negras , associando o tom de pele mais claro a sinais de limpeza e educação que levou ao consumo de muitos negros como uma forma de tentativa de fuga do preconceito e da marginalização.
De acordo com SANTOS 2020, somente no final do século passado, a população negra teve seu direito ao consumo de cosméticos estabelecido, não só como forma de esconder a sua beleza por meio do clareamento, mas de se empoderar e retomar a sua beleza natural. Mesmo assim essa mudança de concepção do consumidor negro se mostra lenta e somente na metade da última década empresas de cosméticos de fato começaram a ter uma melhor variabilidade de tons de bases e corretivos, atendendo essa população, ainda que de forma bastante escaça em relação a pessoas de pele retinta.
Com a introdução de mulheres negras chefiando grandes conglomerados no mercado de cosméticos, ocorreu essa quebra de padrões em relação às bases. Em meados de 2017, uma famosa cantora de pele retinta quebrou esses paradigmas, contando com mais de 40 tons de bases e esse número em expansão. Uma das diretrizes para a comercialização dos produtos é a de que todos os tons devem estar disponíveis para a comercialização, caso não, não será comercializada. Seguindo o exemplo dessa cantora, ficamos no questionamento.
Por que então é tão difícil para as empresas fazerem tons para as peles mais retintas?
Tendo em vista os pontos abordados acima, aqui é colocado de forma técnica a relação entre a composição de maquiagens destinada ao público de pele negra e a insatisfação desse público com as opções disponíveis no mercado.
Tecnologia das bases, corretivos e pós compactos
Bases líquidas
As bases faciais servem para realçar e homogeneizar a cor do rosto, minimizar imperfeições indesejadas, como marcas de espinhas, cicatrizes ou outros através da presença de pigmentos diversos. Estes podem ser incluídos em diferentes veículos:
- Emulsões O/A (óleo em água): bases aquosas, na qual a água é dominante e representa 50-60% da composição. É adequada para peles normais;
- Emulsões A/O (água em óleo): bases oleosas onde os pigmentos estão dispersos na fase oleosa. Após a aplicação a água evapora deixando um aspecto úmido/oleoso. É indicado para peles secas. Possuem melhor poder de cobertura.
- Bases anidras: bases ausentes de água, tendo como composição óleos vegetais ou minerais, pode conter altas concentrações de pigmentos. Deve ser utilizada para peles extrassecas a secas.
- Bases hidrófilas (oil-free): Isenta de óleos emolientes no geral, porém pode conter outras substâncias oleosas em pequenas concentrações. Indicada para peles oleosas ou acneicas e seu espalhamento deve ser rápido, devido a água evaporar rapidamente.
É importante que a base tenha um bom poder de cobertura. A principal substância que dá a capacidade de cobertura à base é o dióxido de titânio, no entanto esse pigmento é branco e deixa as peles mais escuras acinzentadas. Atualmente, essa substância encontra-se na forma micronizada, o que suaviza o efeito esbranquiçado ou acinzentado na pele. Já os diversos tons que uma base pode possuir são obtidos a partir de misturas de pigmentos em pó.
Pós faciais
Em geral, os pós faciais, que podem ser encontrados na forma compacta ou pulverulenta (pó solto), são compostos por uma mistura de substâncias pulverizadas e servem para diversos propósitos como disfarçar imperfeições, ajudar a fixar a base, absorver secreções cutâneas e alterar temporariamente a tonalidade da pele.
Essa formulação é pensada de forma que, ao aplicar o pó facial, ele deixe um efeito uniforme sem deixar o aspecto da pele oleoso, o que é conferido pela incorporação de pós de textura ultrafina e excipientes de toque suave. Os componentes fundamentais dos pós faciais são:
- Talco: está em maior proporção. Diferentes tamanhos de partícula e fornecedores variam cor, transparência, ação lubrificante, brilho, densidade e suavidade;
- Carbonato de magnésio: regula a quantidade de pó que se desprende da pastilha.
- Dióxido de titânio ou óxido de zinco: agentes de cobertura
- Caulim: tem propriedade absorvente e neutraliza o brilho superficial do talco;
- Amido de arroz: confere aderência e suavidade;
- Carbonatos (cálcio ou magnésio): absorvente, auxiliam a incorporação de perfume à formulação;
- Estearato de magnésio, estearato de zinco: repelem a água e ajudam a formar a pastilha (aderência);
- Pigmentos (conferem os diferentes tons ou brilho)
- Agentes perolizantes como por exemplo o oxicloreto de bismuto, que é um pigmento perolizado e pode ser incorporado também como agente de enchimento para melhorar a compressibilidade na formulação do pó;
- Perfumes são responsáveis pelo aroma característico nesses produtos, que deve ser neutro e hipoalergênico, evitando assim, reações alérgicas cutâneas.
Grande parte desses componentes listados acima, que são essenciais na formulação dos pós compactos, também encontrados em blushes e iluminadores, são pós brancos. Por isso o problema de não encontrar um produto que tenha poder de cobertura e fique natural na pele se agrava em pessoas retintas. Os produtos em pó (pós compactos, blushes rosados e iluminadores) são os mais problemáticos para peles negras, pois devido a esse “fundo branco” e deixam a pele com aspecto acinzentado.
Pigmentos presentes em bases e pós faciais
Os pigmentos constituem uma pequena porcentagem da formulação, estima-se que a quantidade presente deste componente na base líquida seja de 8%. Os mesmos, podem ser de origem mineral, orgânica, perolizados e podem sofrer variação de tonalidade. A característica do pigmento de variação, não deve se ater somente a de tonalidade, pois deve ser observada a variação de espessura, e outras propriedades diferentes que este componente possa apresentar. Todas essas características precisam ser bem administradas no decorrer da fabricação para que assim possa evitar que o produto final adquira algum problema.
Além de conferir cor, também são responsáveis por desempenhar um papel decisivo na transparência, opacidade e brilho do produto, e ainda serem capazes de proporcionar proteção à pele frente à radiação UV e Luz azul.
Ademais, os agentes corantes recebem uma nomenclatura comum internacionalmente, vindo então listados pelo Colour Index (CL), através de um código numérico de 5 a 6 dígitos.
As bases por muito tempo foram feitas com uma maior proporção de pigmentos como o óxido de ferro vermelho (Cl 77491) e dióxido de titânio (Cl 77891) e menor proporção de óxido de ferro amarelo (CL 77492) e óxido de ferro preto (Cl 77499). É a junção dos dois primeiros componentes que se chega ao subtom rosa, e isso gera a causa do problema relatado pelas mulheres negras, pois esse subtom mais rosáceo acaba deixando a pele acinzentada.
Devido a exigência e a necessidade do mercado serem cada vez maiores, hoje podemos contar com diferentes tipos de texturas e tonalidades para os mais diversos tons de pele.
Entendendo as bases e os pigmentos, podemos partir para as interações entre os componentes da maquiagem com a luz e a pele e como isso afeta a pele negra:
Primeiramente temos as interações visuais, nas quais a luz modifica os excipientes dos cosméticos, como os pigmentos perolizados que mudam de cor de acordo ao ângulo observado e os termocromáticos que mudam de acordo a temperatura, esses dois são componentes com formulação principal de micas com pequenas esferas de sílica e dióxido de titânio, ou seja, o sub-tom acinzentado que muitas consumidoras relatam, deriva dessa propriedade, uma vez que a reformulação na proporção do excipiente utilizado, poderia sanar o problema.
O poder de cobertura do pó facial está relacionado ao índice de refração da luz, assim como descrito para as bases, e deve-se, principalmente, ao caulim coloidal (silicato de alumínio) já que este proporciona um aspecto de pele seca, por ter propriedades absorventes, ajudando no combate a oleosidade. Esse componente reflete a luz e por isso pode, por exemplo, estourar no flash.
Na prática, quando a maquiagem (base líquida ou pó) deixa a pele negra acinzentada, é devido à presença desses componentes de cobertura (dióxido de titânio) ou porque o produto está mais claro do que o tom da pele. Em muitos casos, a cor mais escura disponível de certas marcas disponíveis no mercado não é suficiente para se igualar ao tom de pele do usuário.
O oposto também pode ocorrer, a base ficar muito escura na pele do usuário. Esse problema é devido ao fato de que a base tende a se oxidar após a aplicação e ficar mais escura na pele, isso acontece em todos os tipos de pele. Então a dica é testar a base e aguardar alguns minutos para verificar se a cor vai mudar e se aproximar ao da sua pele não a deixando mais escura e com aspecto artificial.
Na hora de escolher a base o ideal é descobrir o seu subtom, que é a cor de fundo da sua pele, que pode ser quente (mais amarelado), frio (mais azulado), neutro (equilíbrio entre azul, amarelo e vermelho) ou oliva (mais amarelado e azulado, o que dá um aspecto esverdeado ao tom).
Para descobrir a pessoa deve observar a cor das veias no seu antebraço e/ou pulso, se são:
- Arroxeadas, o subtom é frio;
- Verde-azuladas, o subtom é neutro;
- Amarronzadas, o subtom é quente;
- Esverdeadas, subtom oliva.
Corretivos
Já os corretivos neutralizam cores opostas.
Portanto, para neutralizar olheiras e pequenas manchas em peles negras o ideal é optar por tonalidades amareladas, que neutralizam manchas arroxeadas ou salmão, que neutralizam tons de fundo marrom. O importante é escolher aquele que acompanhe a tonalidade da pele. Nesta formulação, os pigmentos opacificantes, como os óxidos de ferro (pigmentos minerais), ganham destaque por proporcionarem chegar na tonalidade mais próxima do tom natural da pele e, com o avanço da tecnologia, foram incorporados também ativos antioxidantes, hidratantes e nutritivos.
Os corretivos são formulados basicamente em emulsões que, dependendo do poder de cobertura, são mais ou menos consistentes. Além dos agentes opacificantes, a composição também é feita pelos pigmentos claros e brancos (dióxido de titânio) que dão uma cobertura elevada devido a alta quantidade em que estão presentes.
Palavra de Especialista
“Quando eu paro para conversar com alguma cliente de pele negra, existe algo em comum entre elas que são experiências ruins ao se verem maquiadas. Ao perguntar o que houve, os relatos são vários, desde se sentir mais clara, mais escura, acinzentada ou alaranjada. É se olhar no espelho e não se identificar com aquela cor de pele criada que não é a dela. Infelizmente existe um histórico triste no mercado da maquiagem onde as marcas não pensavam e produziam para as negras então muita coisa tinha que se improvisar. Juntava também a falta de informação dos próprios cursos que formavam profissionais e o resultado são traumas que marcam até nos dias de hoje. A boa notícia é que tudo está mudando! Há muito o que melhorar ainda mas hoje além de muitas marcas desenvolverem tons para todas, tem também as marcas que se especializaram em trazer produtos específicos para o público negro. Que essa revolução e evolução continue!”
Thaís Benites, trabalha há 12 anos com maquiagem e é especializada em atendimento de noivas.
Referências bibliográficas:
- SANTOS, T. “Tem minha cor?”: Breve estudo sobre raça e o mercado brasileiro de maquiagem. VI Seminário do Programa da Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFRB.
- BARBOSA, L. SIQUEIRA, J. A escassez de produtos de beleza para o público de pele retinta no brasil: uma análise pelo código de defesa do consumidor e pela constituição federal. Rev. da OAB Olinda. v.3. n.1. 2020
- OLIVEIRA, M. B. Identification of improvement opportunities in the manufacturing process of liquid foundations makeup in a cosmetic industry. 2015. 57 f. Monograph (Final Paper) – Engineering School of Lorena, University of São Paulo, Lorena, 2015.
- RECH, G. et al. CAMUFLAGEM COSMÉTICA: O USO DA MAQUIAGEM PARA A CORREÇÃO DOS DEFEITOS DA PELE. Disponível em: http://siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela%20Rech%20e%20Isete%20Heiderscheidt.pdf
- LOPES, C.A.M. Cosmética decorativa: caracterização e aspectos tecnológicos. Dissertação. Universidade Fernando Pessoa, Faculdade de Ciências da Saúde. Porto, 2010.